Professor de Psicologia da Uniube fala sobre a Luta Antimanicomial | Acontece na Uniube

Professor de Psicologia da Uniube fala sobre a Luta Antimanicomial

18 de maio de 21
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A Luta Antimanicomial é comemorada nesta terça-feira (18). A data representa uma crítica à exclusão social de pessoas classificadas como "diferentes". O psicólogo Gregório Kazi, pós-graduado em Esquizoanálise e doutorando em Psicologia Social pela USP, explica a representatividade da Luta e os diversos planos reconhecidos por ela.


1) O que a Luta Antimanicomial representa?


Assim como o higienismo supõe retirar da dimensão social o tipificado como "aberrante", como aquilo que não se ajusta passivamente a um padrão de comportamento, os equipamentos manicomiais funcionam como instituições cujos objetivos são a "cura e reabilitação", porém vigiam o "desvio", punem a "alteração", violentam as diferentes composições existenciais, suprimem as identidades, recusam as culturalidades impondo uma cultura totalizada que se corresponde com a visão de mundo dos "experts", vetorizam as sensibilidades, exige submissão, obediência e uma renúncia da própria singularidade.


A luta Antimanicomial reconhece um nível de crítica a estes planos com a proposta de produzir marcos legislativos e jurídicos de defesa da vida, como singularidade, transformações dos paradigmas que orientam as práticas manicomiais em todas as categorias implicadas, a sustentação de práticas como o acolhimento das vidas reconhecidas como expressividade do digno, e belo em sua diferença. Essas práticas se instrumentaram em uma rede substitutiva ao manicômio: os CAPS, os postos, serviços residenciais terapêuticos, Centros de convivência, Unidades de acolhimento transitório, Enfermarias de saúde mental em hospitais gerais, dentre outros.  Ali se compõem o que podemos chamar práxis de humanização, que não geram exclusão nem nenhum tipo de violência, operando, multidisciplinarmente, projetos clínicos singulares. Essa complexidade diz respeito à complexidade da vida e que esta não pode ser reduzida e coisificada. Para produzir clínicas do cuidado, devemos estar à altura dos processos de afirmação de existências que não se subordinam a um modelo totalizado de "ser".


2) A reforma psiquiátrica não contempla, de acordo com critérios de necessidade clínica, as internações?


No começo da Luta antimanicomial, inclusive em conversas posteriores com Paulo Delgado, que foi autor da Lei 10.2016 da reforma psiquiátrica, encontramos diversos obstáculos a serem superados. Por exemplo, gerar novos modos de apropriação do processo de sofrimento, retirando o lugar de fala e de experiência e gerar novas posições de poder, saber e prestígio, configurando papéis de "voceros da loucura". Isso gera novos monólogos da racionalidade privilegiada, silenciando a expressividade singular da loucura, sendo isso muito trabalhado por Carlos Villamor e as pessoas que levaram a cabo a experiência da "Colônia Oliveros". Há que ser cauteloso, inclusive sérios e justos com a acumulação de experiências. Por exemplo, em Cuba não foram fechados os manicômios, fui lá na experiência do psiquiátrico da La Habana, partilhei muitas atividades e diversos momentos e tenho a convicção de que não há nenhuma prática de exclusão, de negação de direitos, de violência. Como estamos falando de Vidas, do acolhimento irrestrito do valor e da dignidade de cada vida, o debate deve ser profundo e respeitoso.  


Na luta antimanicomial, há que se contemplar as internações. Nosso princípio foi "Por uma sociedade sem Manicômios," porém isso não significa que não há situações clínicas que exigem uma internação em espaços não manicomiais. Aí o desafio atinge um nível de complexidade que há que ter coragem de assumir para criar essas condições e superar ambiguidades. O que devemos ter em conta são os tipos de internação juridicamente definidos pela lei; não instituir nenhum tipo de relação violenta, não funcionar como equipamentos de exclusão social e visar a criação de autonomia e cidadania, desconstruir os estigmas, trabalhar multidisciplinarmente, criar clínicas articuladas a projetos singulares e evitar a cronificação institucional.    


3) Como acredita que a comunidade deve entender essa data?


Nós, participantes da Reforma psiquiátrica, fomos compreendendo que o Manicômio se corresponde com uma cultura manicomial, com representações sociais sobre a loucura, imaginários coletivos, processos de violência macro que se reproduzem nas micropolíticas institucionais. Nossas sociedades estruturam muros visíveis e invisíveis como propunha Hannah Arendt. Se derrubamos os 'muros concretos" das instituições manicomiais, das instituições totais, sem trabalhar esses outros muros que geram a cultura da recusa da diferença do outro, dos rótulos, das medicalizações, dos preconceitos, da humilhação da alteridade, será muito difícil trabalhar a produção de cidadania, de inclusão social, de reabilitação, de afirmação genuína das diferenças. 


4) Qual a importância de levar esse tema aos estudantes de Psicologia?


A relevância de debater este tema com os estudantes implica sustentar um projeto consistente que possibilite a compreensão das dimensões que estamos conversando e que essa elucidação oriente práticas profissionais éticas, humanas e, sem dúvidas, embasadas academicamente. Nosso curso de Psicologia contempla de forma indiscutível estes processos de modo articulado. O tema é tratado em diversas disciplinas: concepções filosóficas que problematizam a questão, perspectivas de análise institucional que contemplam este viés crítico associado afirmativamente a propostas, concepções sobre a relação sujeito, grupos e sociedade que incluem formas de trabalhar a relação com as diferenças sem suprimi-las, marcos conceptuais ligados a compreensões da psicopatologia que não estigmatizam o sofrimento. Obviamente o trabalho, em diversos componentes sobre a Deontologia que fundamenta nossa profissão, é essencial. 


5) E sobre a importância de eventos como a 8º Semana das Lutas de Maio, promovida pelo curso de Psicologia?


Nossa Universidade compreende que há que oferecer para nossas e nossos estudantes dispositivos múltiplos de formação e não reduzir nossa prática como docentes no contexto do processo ensino/ aprendizagem nas aulas. Elas são fundamentais, claro. Entretanto, criar diversas atividades que possibilitem a convergência de diversidade de saberes intensifica e enriquece o processo. Participar de atividades, em que convidados da comissão de Eventos de nosso Curso oferecem seus conhecimentos como formalização de suas práticas e abrem novos horizontes de compreensão. Por outro lado, o fato de ser um evento aberto à comunidade também contribui para afirmar na prática uma das funções da Universidade: contribuir com os processos que possibilitem a construção de uma sociedade justa, inclusiva, ética onde "caibam todas as vidas"